está frio.
a luz, amarelada, da sala intensifica o cheiro a tabaco morto. a chaise longue, ao fundo, à direita, parece particularmente abandonada e faz com o que o frio na sala se sinta mais. os animais de caça representados na parede de mármore vermelha calam mais alto os fósseis expostos. é uma natureza morta, profundamente morta, fria, silenciosa e absurdamente acolhedora.
lá fora a chuva parou.
o nevoeiro pousado oculta tudo para além de um metro de distância.
a imensidão de oliveiras e sobreiros esconde-se na noite sem luz como se todos tivessem emigrado para paragens mais quentes.
ele entrou. sapatos castanhos, cachecol bordeaux, casaco castanho, daqueles que têm remendos nos cotovelos a imitar os casacos de outros tempos. aquelas calças ficam-lhe particularmente bem.
acende o cigarro a olhar lá para fora como se quisesse asustar os sobreiros.
- detesto quando fumas.
- detesto que me chateies.
senta-se.
longe.
a chaise longue parece ainda mais vazia.
- que queres fazer?
- fumar. (foda-se!)
exala o fumo, languidamente.
- que querias? sabias que tínhamos o fim marcado.
cruza a perna. abre o cachecol como se de uma corda de forca se livrasse.
- não sei...
a nuvem de fumo parece já confundir-se com o nevoeiro de fora.
- amas-me?
- como sempre.
- como sempre?
descruza a perna e apaga o cigarro.
- vou-me embora.
deixou o cachecol caído nos ombros. (aquelas calças ficam-lhe mesmo bem...)
abriu a porta e saiu. não voltamos a falar.