"onde está o menino?" II

eram 20 horas do dia 24 dezembro. tinha chovido muito durante o dia, e estava muito muito frio.
as rabanadas estavam no tacho e punha-se a mesa para a Família celebrar o Natal.


"acabou de me telefonar a Mãe do Menino. Ele teve uma paragem cardíaca e estão agora a pô-lo na ambulância. o Pai foi com ele e ela não aguenta mais estar sozinha."
"acalma-te. fala com a tua Família. por mim podemos ir já. mas e a Tia? e a Avó?""a Avó está sozinha em casa e a Mãe não quer que ela saiba ainda. a Tia disse que não podia sair de casa, porque estava lá com toda a gente."
"estou em tua casa daqui a nada. diz à Mãe que estamos lá o mais depressa possível."


"vou sair. o Menino foi para o hospital, e a Mãe está sozinha. vamos ter com ela a braga."
"vai devagar."

"e agora? o que vai ser do Menino? vinte minutos a tentar reanimá-lo? como é que ele vai ficar?"

não se via ninguém na rua, e foi difícil encontrar o hospital. ao chegar, o Pai estava em choque. o Menino tinha tido uma nova paragem cardíaca e estavam, mais uma vez, a tentar reanimá-lo. "por favor vão ter com a Mãe. não deixaram vir nenhum de nós na ambulância, e a Mãe está sozinha. Eles queriam levar o Menino para o porto, mas só podemos sair se ele estabilizar."

ao sair do carro em Casa do Menino, o ar gélido feria os ossos enquanto desentorpecia os sentidos suspensos na viagem. a Mãe tinha as coisas prontas para ir ter com o Menino: uma mochila com roupa para ele, um casaco para o Pai e uma muda para os dois. urgia levá-la para o pé do Menino. sentia-se o tempo a escapar-se pelos dedos, com a vida do Menino. mas o Menino estabilizou e levaram-no para o porto. na estrada, a caminho do porto, a Mãe diz: "acho que o Menino não volta..."

no hospital o silêncio era pesado.

nova paragem cardíaca. nova intubação. espera. silêncio. TAC. espera. silêncio. o Menino fica na UCI. está ventilado. inconsciente. o prognóstico é muito reservado.

nova noite, novo dia: "o Menino está melhor?" "não. não está pior, mas não está melhor".

nova noite, novo dia: "venham ao hospital. gostavamos que se despedissem do Menino." não deu tempo. despedi-me dele já sem vida.



o Menino faleceu hoje, dia 26, com pouco mais de três anos. mas há dois dias, obtive de forma clara resposta à minha pergunta.

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